Cansou-se dos tempos vazios, das palavras soltas, das pessoas mecânicas, do café morno na tarde abafada da sua cidade favorita. Decidiu por escrever, rabiscar qualquer coisa que amenizasse a comichão dentro de si. Não sabia escrever versos bonitos, nunca tivera veia poética, mas fazia de sua bagunça mental um punhado de escritos meio desconexos com a sua realidade: não o entendiam, não poderiam entende-lo. Olhou mais uma vez pro retrato guardado na carteira velha, deu um sorriso, jogou no papel algumas palavras atrozes, mas também com 'açucar e afeto'. A tarde era quente e silenciosa: nunca gostou do silêncio, nem sempre o silêncio e representativo de paz - pensava!
Decidiu por de lado o papel, foi buscar na memória os confeitos da sua juventude. Nunca fora como os outros garotos da sua idade, tinha nas lembranças as memórias mais improváveis, os domingos de confeitos e sobremesas da tradição portuguesa e que sempre davam um embrulho no estômago no final do dia, das sessões de filmes desconhecidos, premiados em algum festival pós-cult, da poeira, na mesa do micro-escritório, que o irritava diariamente, no cantinho dos livros, seu maior orgulho, hoje empilhados em caixas de papelão, nunca tivera coragem de mexer nas caixas. Pôs de lado o saudosismo quando percebeu a gata miando e roçando o rabo insistentemente nas suas pernas ao mesmo tempo em que sentiu o cheiro do feijão prestes a queimar. Levantou-se de sobressalto e deixou os rabiscos e a memória de lado, por um tempo, ligou a radio, tocava "Mrs Robinson", sentiu seu corpo ferver por dentro enquanto uma lágrima escorria delicadamente, pegou a vassoura, catou a bagunça da irmã mais nova, pôs a água do café no fogo, eram quase cinco da tarde e como em um ato catartico cantou, a cada verso mais alto, e por mais alto que cantasse, ninguém o ouvia, " Hide it in a hiding place, where no one ever goes", e continuou cantando, dançando, rabiscando, sabia que ali nínguém o ouvia, via e muito menos o lia, mas insistia a cantar e cantar: God bless you, please, Mrs. Robinson, heaven holds a place for those who pray, hey hey hey, hey hey hey.
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